segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Cientistas queimam florestas para preserva-las no futuro

Agência Brasil 
Queimadas controladas feitas por cientistas apontam resultados sobre o aquecimento global e gases
Um grupo de pesquisadores de diversas instituições brasileiras realizou, na última semana de setembro, uma queimada controlada para análise científica em quatro hectares de floresta na região de Rio Branco, no Acre.

O estudo, que faz parte do Projeto Temático “Combustão da biomassa em florestas Tropicais”, financiado pela Fapesp, tem o objetivo de avaliar o impacto das queimadas na atmosfera, na regeneração da floresta e no solo da Amazônia.

O projeto é coordenado por João Andrade de Carvalho Junior, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Guaratinguetá (SP). O estudo foi feito em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Universidade Federal do Acre (Ufac), a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade de Washington.

De acordo com Carvalho, as queimadas controladas têm sido realizadas pelo projeto no Acre e em Mato Grosso. Estudos sobre o tema ocorrem desde 1993 em diversos projetos sucessivos. O atual Temático, iniciado em 2009, prevê a realização de três queimadas. A primeira havia sido realizada na região de Cruzeiro do Sul, no Acre, em setembro de 2010. A terceira deverá ser
realizada em 2013.

“Os dados da pesquisa permitirão quantificar os teores de carbono equivalente emitidos durante a queima, avaliar como os nutrientes do solo reagem às altas temperaturas, entender a dinâmica de regeneração natural da vegetação e medir os níveis de partículas no ar que podem causar danos ao sistema respiratório humano, entre vários outros aspectos”, disse Carvalho.

O controle da queimada realizada pelos cientistas é rigoroso. A pesquisa conta com a autorização da Justiça Federal e Estadual e dos Ministérios Públicos Federal e Estadual e as ações obedecem a exigências legais estabelecidas pelos órgãos de controle ambiental. O corte da vegetação foi autorizada pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) e pela Secretaria de Meio Ambiente do estado.

Os resultados do projeto indicaram, até agora, que a eficiência de combustão é de 50% na área onde foi realizada a queimada. Isto é, metade do estoque de carbono armazenado em um hectare de floresta se transforma, com a queimada, em gases de efeito estufa. Na queimada anterior, realizada também quatro hectares, em Cruzeiro do Sul, foram emitidas cerca de 305 toneladas de gás carbônico.

“Constatamos que aproximadamente metade do material que é queimado se transforma em gases de efeito estufa como CO2 e metano. Antes de realizar a queimada, fazemos uma caracterização de toda a biomassa do local. O sítio de Cruzeiro do Sul tinha 582 árvores acima de 10 centímetros de diâmetro”, disse Carvalho.

Uma das árvores tinha entre 95 e 100 centímetros e uma delas tinha mais de um metro de diâmetro. Só essa árvore maior tinha de 8 a 9% do total da biomassa dos quatro hectares. Verificamos que o metano corresponde a cerca de 13% do total das emissões, disse.

Se o dado obtido em Cruzeiro do Sul pudesse ser extrapolado para toda a floresta amazônica, os níveis atuais de desmatamento, da ordem de sete mil quilômetros quadrados anuais, provocariam uma emissão de CO2 equivalente comparável às emissões de cerca de 50 milhões de automóveis.

“Felizmente, o desmatamento caiu muito, mas já tivemos anos em que a devastação chegou a atingir 27,5 mil quilômetros quadrados. Se os dados fossem extrapolados para toda a Amazônia em um ano com desmatamento dessa magnitude, a emissão de CO2 seria comparável à poluição produzida por quase 200 milhões de automóveis”, afirmou.
 Antes, durante e depois

O estudo é realizado em diversas fases e inclui uma série de avaliações antes, durante e depois da queima. Em Rio Branco, diversos equipamentos instalados em uma torre de 15 metros de altura, na área de pesquisa, ajudam na coleta de informações.

Dois meses antes da queima, foi realizado o inventário florestal, para identificação e medicão das árvores e a coleta de amostras de solos. A etapa seguinte foi o corte da floresta.

Os resultados das análises serão comparados e servirão para aferir a quantidade de carbono, nutrientes e microorganismos permanecem no solo após a queima. Além disso, será avaliado o que ocorre com a qualidade do ar.
 
Dados para o IPCC
Os resultados do Projeto Temático terão grande importância para a elaboração e estruturação de políticas públicas voltadas para o tema, de acordo com Carvalho. Segundo ele, os dados já levantados em outras etapas já são aproveitados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) para calcular as emissões de gases de efeito estufa de queimadas na Amazônia.

“As queimadas controladas têm resultados diferentes em cada região. Em Cruzeiro do Sul, por exemplo, a densidade da floresta é maior. Unindo aqueles dados aos de Rio Branco, poderemos refinar os índices e definir uma média que possibilite calcular as emissões de todo o estado. Considerar as características locais é importante para reduzir as incertezas relacionadas às
emissões provenientes das diferentes regiões da Amazônia e traçar políticas públicas”, disse.

Carvalho afirma que o experimento inclui medições de emissões de dióxido de carbono e de metano. “O principal gás de efeito estufa é o dióxido de carbono. Mas o metano é importante porque, embora seja emitido em menor quantidade, tem um poder de aquecimento 21 vezes maior que o CO2”, explicou.

Os pesquisadores também medem a concentração de partículas, em especial as mais finas, que têm mais impactos negativos sobre a saúde humana. “Também estudamos a regeneração da floresta. Utilizamos um sítio de queimada controlada em Alta Floresta desde 1997, o que permite estudar como a biomassa se recupera. Estamos começando a fazer isso no Acre também”, explicou.
Segundo Carvalho, a biomassa de maior porte, como grandes troncos, queima de duas formas diferentes: o estágio de chama e o estágio de incandescência. A combustão no estágio de incandescência é muito mais lenta, mas também emite gases. “Procuramos medir a diferença de concentração das emissões nos dois tipos de queima”, afirmou.

Os cientistas também estudam a propagação de incêndio rasteiro. Dependendo do grau em que a floresta é recortada, as bordas podem ser mais secas, permitindo que qualquer chama pequena se propague rapidamente para dentro da floresta.

“Outro aspecto que procuramos estudar é a transformação de carvão em emissões. Conforme a madeira queima, parte do carvão gerado fica no chão e não colabora com o efeito estufa, podendo até ajudar a acelerar a regeneração da floresta”, disse.

A equipe, segundo Carvalho, que é engenheiro aeronáutico, conta com engenheiros químicos, engenheiros mecânicos, biólogos, engenheiros florestais e um médico. “Algumas frentes do projeto estão se dedicando a estudar os impactos da queimada na saúde humana e suas consequências sobre as diversas espécies, como anfíbios e insetos”, disse.

“Todos os cuidados são tomados. Em primeiro lugar é construído um acero: um caminho que deixa um espaço de cerca de 25 metros em relação ao resto da mata, a fim de evitar a propagação do fogo. Além disso, a operação requer a presença de um carro tanque e de uma guarnição do corpo de bombeiros, que acompanha todo o processo”, explicou.

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